sábado, 26 de abril de 2014

Debate sobre O Estado de Natureza com o filme The Philosophers 2013

Em complemento ao post anterior, que pode ser acessado pelo link abaixo, segue o rascunho que meu parceiro Rafael Corrêa e eu utilizamos para um debate sobre o estado de natureza, para a mesma disciplina de Filosofia Política.

Utilizamos o filme The Philosophers, do diretor John Huddles, para auxiliar o debate, uma vez que o filme possui aspectos que podem ser correlacionados com conceitos dos autores citados no livro Introdução à Filosofia Política, de Jonathan Wolff, acerca do estado de natureza.






Sobre o filme:
Título original: The Philosophers
Título nos EUA: After the dark
Nacionalidade: EUA, Indonésia
Ano de lançamento: 2013
Direção: John Huddles

Por que escolhemos o filme “The Philosophers”?

São quatro as razões principais pelas quais escolhemos o filme “The Philosophers”: 1-) O filme é atual. 2-) Trata-se de um exercício filosófico em relação à uma hipótese, assim como as hipóteses de estado de natureza em Hobbes, Locke, Rousseau e entre os Anarquistas. 3-) Refere-se a uma situação catastrófica onde as pessoas precisam usar da razão para se auto preservar. Por fim, quarta razão: o filme possui aspectos que podem ser associados às concepções de estado de natureza dos autores citados e que nos permitirá uma reflexão sobre se alguma vez já existiu um estado de natureza ou, se sim, se o mesmo se assemelha com as o estado de natureza dos autores.

Prelúdio

A aula de filosofia acontece em um colégio internacional em Jakarta, capital da Indonésia.
Antes de o professor Zimit propor o exercício do apocalipse para os alunos, os alunos citam algumas das teorias estudadas em classe. Uma das teorias é o paradoxo da ignorância onde é demonstrado que o instinto de autopreservação está acima da amizade e da cooperação, assim como no estado de natureza de Hobbes, onde o objetivo principal é a autopreservação independente dos meios.
Zimit então propõe aos alunos um último exercício: um apocalipse nuclear onde o ele e o grupo de 20 alunos são os únicos sobreviventes, mas apenas 10 deles deverão ocupar um refúgio por um período de 1 ano e serão responsáveis por garantir a sobrevivência da raça humana.

Lógica é a única ferramenta de que os alunos dispõem para selecionarem as pessoas adequadas para ficar no refúgio.

Primeiro Experimento

O primeiro experimento se passa num conjunto de templos Hindu em Prambanan.
O refúgio possui comida e oxigênio suficientes para 10 pessoas durante o período de 1 ano.
O principal critério de seleção das pessoas que ocuparão o refúgio é a profissão de cada um.

Com o mundo prestes a acabar e com recursos escassos, as pessoas manteriam a razão ou a abandonaria, reduzindo-se assim a um suposto estado de natureza? O que vocês acham que uma pessoa faria ao estar próximo do fim? Esperar ou fazer tudo aquilo de que têm vontade?

Logo que o professor propõe o exercício, a garota ruiva diz que não quer participar, pois acha o exercício ridículo e inadequado. O professor a convence a participar utilizando do medo, pois o refúgio seria a única esperança para que não fosse queimada viva e lentamente pela fumaça tóxica dos ataques nucleares. Hobbes cita algo parecido em seu suposto estado de natureza. O pensador diz que num grupo onde todos ou a maioria age de uma determinada maneira, seja boa ou ruim, a pessoa que decide por agir contra tem maiores chances de ser destruída pelo grupo. Em outras palavras, a pessoa precisa agir de maneira semelhante para se auto preservar (WOLFF, 2011, p. 31).

Locke nos diz que, as pessoas estão na terra para servir a Deus, portanto, cooperam entre si, uma vez que não precisam fazer perdurar os desejos uns dos outros (WOLFF, 2011, p. 34). No filme, Zimit, manipula a atribuição de papéis para o experimento como se fosse um deus, de maneira que alguns alunos desempenhem os papéis que ele desejara.

Qual seria a relação entre o que Locke disse com a perspectiva capitalista num mercado de trabalho competitivo como o atual? – Ora, algumas pessoas, por vezes, são obrigadas a desempenharem funções impostas por outra pessoa que está acima. Locke diz que não há superiores na terra, mas alguns superiores não brincam de deus?

Ainda na questão dos papéis, alguns pensadores anarquistas, defendem a importância das especialidades num estado de natureza (WOLFF, 2011, p. 52) que, para eles, estaria além da sociedade civil.

Com base nessa afirmação e considerando que o contexto de mercado atual da sociedade civil contribui para a formação de especialistas, estaríamos próximo do estado de natureza proposto pelos anarquistas?

Quando o poeta se manifesta, Zimit rapidamente lhe dá um tiro na cabeça com a justificativa de que não teria utilidade nenhuma no grupo. Na perspectiva de Hobbes, o professor estaria apenas garantindo a preservação do grupo e, consequentemente, a preservação da própria vida. Os demais alunos ficam desconfiados e decidem por excluir o professor do refúgio. O medo faz com que entrem em estado de alerta ou, na pior das hipóteses, guerra (WOLFF, 2011, p. 25). No entanto, se num estado de natureza o objetivo maior é a autopreservação, as pessoas não poderiam optar por se sujeitarem a fim de preservar suas vidas?

Petra todas as noites observava o professor definhar do lado de fora do refúgio, pois sentia compaixão e aversão pelo sofrimento de Zimit. Compaixão e aversão ao sofrimento alheio são duas características que as pessoas no estado de natureza de Rousseau possuem (WOLFF, 2011, p. 42-43).

De acordo com Rousseau, o ser humano é bom por natureza, mas a sociedade o corrompe.  

Com base nisso, seria correto afirmar que Petra vivia um estado de natureza, ao passo que todos os demais estariam corrompidos? Se há pessoas corrompidas e pessoas boas convivendo, seria correto afirmar que a sociedade civil e o estado de natureza são como uma única coisa?
 
A escassez de bens e o instinto de autopreservação conduzem à guerra?

De acordo com Hobbes e Locke, a escassez de recursos é um dos maiores motivos de disputa entre as pessoas (WOLFF, 2011, p. 23; p. 41), porém, o filme nos mostra o contrário, o professor matou muitas pessoas quando ainda havia comida e oxigênio o bastante, mas os que ficaram no refúgio compartilharam o último recipiente de comida sem que houvesse disputa entre eles. Nesse ponto, a escassez dos recursos e o instinto de autopreservação já não seriam certos de que levariam à guerra. O filme ainda nos mostra a possibilidade do suicídio coletivo que é desconsiderado no livro do WOLFF por todos os autores.

Segundo Experimento

O segundo experimento se passa no Monte Bromo.
Há alguns critérios adicionais para seleção como homossexualidade, esterilidade e doenças.
Dentre os novos critérios de seleção, o pior é doença, pois se contagiosa poderia infectar outros e como estariam presos todos juntos, morreriam prematuramente. Diante disto, a atitude mais lógica seria excluir o doente, assim como é feito na sociedade atual. Em relação à homossexualidade, esta não seria descartável contanto que a pessoa fosse fértil e capaz de reproduzir. No entanto, seria sensato reproduzir num ambiente de escassez de bens? Essa lógica se aplica a um estado de natureza onde não há moralidade? O fato de não ter moralidade implica em não ter razão? – Se num estado de natureza há escassez de bens e, por conclusões da razão, não há reprodução, as pessoas não têm muitas opções senão a extinção da raça humana, a menos que por sorte se reduzam até um novo Adão e Eva.

Na segunda experiência há também uma divisão de grupos por interesses em comum. Essa divisão pode existir tanto na sociedade civil quanto num suposto estado de natureza. Se considerarmos o que Hobbes diz sobre respeitar as leis da natureza somente com a certeza de que todos estão respeitando (WOLFF, 2011, p.31), seria duas vezes mais difícil manter a paz entre grupos distintos.

Rousseau contrapõe Hobbes ao dizer que as sociedades surgem conforme o ser humano se aperfeiçoa até o ponto em que os corrompe (WOLFF, 2011, p. 47-50). Hobbes, todavia, diz que, as pessoas corrompidas poderiam entrar em guerra por desejarem a mesma coisa até se reduzirem a um estado de natureza (WOLFF, 2011, p. 23-24). Além disto, Rousseau diz que Hobbes ignora a compaixão natural do ser humano (WOLFEE, 2011, p. 42-43), no entanto, Rousseau ignora o egoísmo que em Hobbes também é natural (WOLFF, 2011, p. 25). Diante disto, é o estado de natureza que leva à civilização ou o mesmo nasce da civilização?

Há uma briga interna pelo poder de decisão quanto à questão de reprodução. O professor fica gravemente ferido e, por isso, resolve abrir o refúgio e deixar que todos sejam consumidos pelas chamas do apocalipse. Essa passagem faz referência ao direito de punição em Locke (WOLFF, 2011, p. 37) e a contraposição de Hobbes de que o transgressor poderia se vingar (WOLFF, 2011, p. 39).

Terceira rodada

Na terceira rodada é a Petra quem conduz o jogo. Ela sugere ao grupo lidera-los e o grupo aceita a sugestão. Petra toma as decisões de quem deveria ocupar o refúgio com base na emoção e todas as habilidades descartadas na primeira rodada são consideradas ideais para ela.

O garoto ruivo e estéril decide por partir para outra ilha deserta com várias mulheres para poder satisfazer o desejo sexual.

Petra e o grupo decidem por aceitar a morte quando a mesma é eminente.

Nessa rodada, há um aspecto que faz referência ao contratualismo de Hobbes, na definição de uma pessoa soberana, assim como aspectos que fazem referência à boa natureza de Rousseau.
 


Referência bibliográfica

WOLFF, Jonathan – Introdução à filosofia política, 2º Edição, 2011, Ed. Gradiva, Lisboa

Imagem disponível em:  http://movit.net/wp-content/uploads/2013/05/Bonnie-Wright-James-DArcy-and-Daryl-Sabara-in-The-Philosophers-Movit.net_.jpg, acessado em: 26/04/2014

O Estado de Natureza

Depois de muito tempo sem atualizar o blog, conversei com meu estimado parceiro de filosofia Rafael Corrêa e decidimos postar o rascunho de uma apresentação que fizemos sobre o conceito de estado de natureza.

A apresentação sobre estado de natureza foi critério de avaliação da disciplina de Filosofia Política, ministrada pelo estimado mestre Paulo Morgado.

O resumo foi feito à partir do capítulo primeiro, "O Estado de Natureza", do livro Introdução à Filosofia Política, de Jonathan Wolff.

Espero que o rascunho possa somar para o conhecimento de vocês.



Destruction of Leviathan - by Gustave Doré


Introdução

[...] Tomamos como adquirido o facto de vivermos num mundo de instituições políticas: o governo central, o governo local, a polícia, os tribunais. Estas instituições distribuem e administram o poder político. Colocam pessoas em cargos de responsabilidade e estas pessoas podem reivindicar o direito a mandar-nos agir de determinadas formas. E, se desobedecermos e formos apanhados, seremos castigados. A vida de cada um de nós é parcialmente estruturada e controlada pelas decisões alheias (WOLFF, 1996, p. 18).  

Como seria a vida num estado de natureza, ou seja, num mundo sem governo?

Comparação entre os filmes “A Ilha de Coral”, de R. M. Ballantyne e “O Senhor das Moscas”, de William Golding. Ambos os filmes narram situações opostas; no filme de Ballantyne, três rapazes ingleses estão numa ilha deserta, mas com coragem, inteligência e cooperação, afugentam piratas e selvagens nativos, desfrutando de uma vida boa. Já no filme de Golding, um grupo de crianças está numa ilha deserta, mas logo se envolve em disputas e lutas tribais.

Alguma vez existiu um estado de natureza? 

Rousseau (1712-1778) afirmava que o tempo de transição de um estado de natureza para uma sociedade civil era maior do que a idade do mundo, portanto, seria incoerente pensar que as sociedades modernas haviam surgido desta maneira. Por outro lado, também acreditava existir exemplos de povos a viver num estado de natureza.  

Locke (1632-1704) pensava existir muitos grupos que viviam desta forma na América do século XVII.

Hobbes (1588-1679) pensou ver seu país afundar-se num estado de natureza com a guerra civil inglesa. “Em Leviatã, traçou um quadro dessa situação hipotética, esperando convencer os leitores das vantagens do governo (WOLFF, 1996, p.19)”.

[...] Por vezes, diz-se que não só os seres humanos sempre viveram sob um estado, como essa é a única forma de eles conseguirem viver. De acordo com esta perspectiva, o estado existe naturalmente, no sentido de ser natural para os seres humanos. Talvez não fôssemos seres humanos se vivêssemos numa sociedade sem estado. Talvez fôssemos uma forma inferior de vida animal. Se os seres humanos existem, também existe o estado (WOLFF, 1996, p. 19). 


Hobbes

Segundo o autor, Hobbes afirma que nada poderia ser pior do que a vida sem a proteção do estado e, que, por isso, um governo forte é essencial para evitar que caíamos numa guerra de todos contra todos. 

O autor ainda diz que Hobbes defende a existência de duas chaves para compreensão da natureza humana. A primeira seria o autoconhecimento a fim de compreender a natureza dos pensamentos, esperanças e medos humanos. A segunda diz respeito à matéria que compõe os seres humanos, ou seja, o corpo que garante o movimento. De acordo com Wolff, Hobbes adotara o princípio de movimento de Galileu para desenvolver uma visão materialista mecanicista dos seres humanos, onde estes estariam sempre em movimento, ou seja, em busca de algum objeto de desejo para alcançar felicidade. Essa busca conduziria a sociedade a um estado de natureza. 

O medo da morte, esta que poderia ser mais brutal num estado de natureza, leva o povo a criar um estado para evitar uma guerra de todos contra todos.

Como Hobbes pensou isto? 

De acordo com o autor, Hobbes entende que poder é o meio para se obter alguma coisa. Considerando que a felicidade se dá pela obtenção dos objetos de desejo, para alcançar a felicidade é necessário se tornar poderoso. 

A única maneira de se manter o poder é tornando-se mais poderoso. Ora, se todos buscam poder para serem felizes e esse desejo de poder é insaciável, essa busca é, por natureza, competitiva.

Competição não é guerra, portanto, por que seria num estado de natureza? 

O autor diz que Hobbes parte do pressuposto de que num estado de natureza há escassez de bens. Duas pessoas que desejam o mesmo tipo de coisa acabariam por desejar a mesma coisa, portanto, uma tentaria dominar a outra. Num estado de natureza todos estariam vulneráveis a um ataque, seja por ter algo que outrem deseja, seja apenas por representar alguma ameaça, como também, para melhorar a reputação. Lucro, segurança e reputação seriam três razões para agressão num estado de natureza. 

Os seres humanos são cruéis? 

De acordo com Wolff, Hobbes não acha que os seres humanos são cruéis, pois na sua maioria, não retiram prazer do sofrimento alheio, mas são egoístas, uma vez que estão dispostos a satisfazerem seus desejos egocêntricos. O medo de perderem algo ou serem atacados faz com que pelejem por autodefesa. 

Teria Hobbes, razão em considerar tamanha desconfiança num estado de natureza? 

Wolff afirma que Hobbes partira do pressuposto de que, se numa sociedade regida por leis ainda assim trancamos nossas casas em relação aos vizinhos e pessoas de fora, ou guardamos coisas trancadas contra pessoas de dentro de nossa própria casa, quanto mais num estado de natureza onde não haveria regras e todo mundo pudesse pegar o que quisesse de outrem. 

Há moralidade no estado de natureza? 

De acordo com o autor, Hobbes diz não se aplicar o conceito de moralidade no estado de natureza, pois não há certo e nem errado, não há justiça e nem injustiça. Considerando que ser injusto é desrespeitar uma lei, mas para que a lei exista alguém precisa cria-la e ter poder para fazer com que seja cumprida. No estado de natureza não há legisladores e cabe a cada um fazer aquilo que considera adequado para se auto preservar. A isto Hobbes chama de Direito Natural de Liberdade. 

Além do direito natural de liberdade, Hobbes defende também a existências de Leis da Natureza. A primeira delas diz que todo homem deve buscar a paz na medida em que se tem esperança de obtê-la, no entanto, caso não consiga, pode usar de todos os recursos da guerra para tê-la. A segunda lei seria abrir mão do direito de todas as posses e se satisfazer com a liberdade em relação aos outros que, por sinal, deve ser a mesma liberdade que deve dar aos outros em relação a si mesmo. A terceira seria honrar qualquer aliança que fizerem. Em suma, não fazer aos outros o que não faria a si mesmo, uma negativa da regra bíblica de não fazer ao próximo o que não gostaria que te fizessem. 

Isso não seria um código moral? 

De acordo com o autor, Hobbes não compreende as leis da natureza como códigos morais, mas como conclusões da razão que permitiriam a cada pessoa melhor possibilidade de preservar a própria vida. 

Haveria em Hobbes dois tipos de racionalidade, individual e coletiva. A razão individual levaria à guerra, a coletiva seria o melhor para cada indivíduo contanto que todos agissem da mesma forma. 

Todos tem o dever de respeitar as leis da natureza num estado de natureza? Se sim, o reconhecimento das mesmas seriam suficientes para que fossem cumpridas? 

A esta questão, Hobbes afirma que o ideal é que todos respeitem, mas que o indivíduo só deve respeitar na certeza de que todos os outros respeitam, do contrário seria destruído. Mas, no estado de natureza o nível de suspeição e receio mútuos é tão grande que as leis raramente seriam cumpridas. O autor afirma então, que Hobbes propõe a criação de um soberano em solução a essa situação. O soberano deve ser forte o suficiente para cingir o povo às leis e punir quem as violarem. Com isso, a grande vantagem do estado seria criar condições para que as pessoas possam obedecer às leis da natureza em segurança.


Locke

Segundo o autor, Locke contrapunha Hobbes em dizer que o estado de natureza não se aproximava em nada com o estado de guerra. O filósofo supunha que seria possível ter uma vida aceitável sem governo. 

Como Locke chegou a essa conclusão? 

Para Locke, o estado de natureza é um estado de liberdade, igualdade e regido por uma lei da natureza, tal como Hobbes dissera, porém, com uma interpretação totalmente diferente. 

Em relação à igualdade, enquanto que para Hobbes consistia numa afirmação das capacidades físicas e mentais, para Locke consistia numa afirmação moral de direitos; ninguém tem o direito natural de subordinar outra pessoa. Locke estava fazendo uma crítica ao direito divino numa perspectiva feudal. 

A lei da natureza em Hobbes resume-se em buscar a paz, se e somente se todos buscarem; caso contrário, deve-se fazer uso das vantagens da guerra. Em Locke, a lei da natureza tem um aspecto teológico e consiste na ideia de que a humanidade deve ser preservada na medida do possível e ninguém deve prejudicar outra pessoa, pois, embora não haja superiores na terra, existe um no céu. De acordo com Locke todos somos criaturas postos na terra para servir os propósitos de Deus, não havendo assim necessidade de fazer perdurar os prazeres uns dos outros. 

Enquanto a liberdade natural em Hobbes consiste em fazer o que for necessário para auto preservar-se, em Locke consiste em fazer apenas o que a lei natural moralmente permite. Desta maneira, embora a lei natural impeça a violação alheia, isso não representa uma limitação de liberdade. 

Todos cumpririam a lei da natureza? 

Hobbes defendia o papel de um soberano capaz de punir quem transgredisse as leis. Em Locke, não há um soberano com poder de punição, pois todos são iguais num estado de natureza. Portanto, todos tem o poder executivo da lei da natureza caso alguém transgrida as leis colocando em perigo a paz e segurança de todos.  Logo, Locke crê que todos se juntarão à vítima da transgressão para fazer justiça. 

A punição deve ser suficiente para que a pessoa se arrependa e servir de exemplos para que outras pessoas não façam o mesmo. 

E quanto à escassez de recursos capaz de levar à guerra, segundo Hobbes? 

Locke defende que, se a lei da natureza pode ser garantida, o direito natural de propriedade privada também. Entende que as pessoas podem ter uma parte de terra onde podem cultivar alimento sem ter a permissão de todos os outros para poder consumir, do contrário e por raz’oes lógicas, a humanidade morreria de fome. Tendo em mente que há muitas terras e que as pessoas desejariam cultivar alimentos reservadamente, poderiam viver em paz. 

Em relação a isso, Hobbes diria que às vezes seria muito mais fácil roubar de alguém do que cultivar e isso já seria um motivo para uma possível guerra. Nessa hipótese, o direito de punição não seria eficaz, pois o transgressor poderia voltar com um poder maior. Por esta razão Hobbes afirma a necessidade de algum órgão fixo capaz de punir. 

Embora Locke não achasse que a escassez levaria, necessariamente à guerra, entendia que caso algo se tornasse objeto de disputa a convivência no estado de natureza iria piorar e poderia até chegar num ponto de ser insuportável. 

Um dos maiores problemas para Locke seria quanto à interpretação da lei da natureza, ou seja, a administração da justiça em saber se determinada pessoa cometeu de fato uma ofensa, e se a punição de fato é adequada. Além deste, a invenção do dinheiro contribuiria para a escassez de terra, uma vez que as pessoas não precisariam se preocupar mais em produzir mais do que o consumo já q poderiam vender e guardar o dinheiro que não estraga. Esses problemas são pontos a favor da teoria de Hobbes sobre a escassez e a necessidade de um governo soberano.

 
Rousseau


Segundo o autor, Rousseau afirmara que Hobbes e Locke não fizeram de fato uma análise do estado de natureza, mas sim projetaram ideia da sociedade para o estado de natureza, descrevendo assim o homem social e não natural. 

Enquanto Hobbes parte da premissa de que as pessoas buscam continuamente a felicidade a qualquer custo, Rousseau muda a premissa de que por natureza, as pessoas seriam piedosas e com desejo de se ajudarem uns aos outros. 

A piedade ou compaixão seria o combustível que impeliria as pessoas a não prejudicarem umas as outras. Uma pessoa não tomaria o sustento de outra possuindo alternativas de sustento. 

Assim como Hobbes, Rousseau afirma que o estado de natureza não possui noções de moralidade, no entanto, as pessoas respeitariam umas as outras por aversão ao mal, pois as pessoas são naturalmente compassivas e ficam perturbadas com o sofrimento alheio. 

Partindo do princípio da aversão a maldade, as pessoas escolheriam trabalhar para garantir o próprio sustento e, essa necessidade estimularia a inteligência e a criação de instrumentos. Juntamente com isso surgiria a ideia de cooperação e, consequentemente, tempo livre. 

A partir daí, os problemas começariam, pois estando ociosas, as pessoas passariam a fabricar coisas para além da necessidade de sobrevivência, ou seja, por luxo e este seria o início da corrupção e das guerras. 

Em outras palavras a guerra chega devido à formação das primeiras sociedades rudimentares. Nesse ponto, os ricos tentariam criar regras para preservar o que possuíam contra os seus atacantes e eis que surgem as primeiras sociedades civis.


Anarquismo 

Alguns anarquistas tentaram resistir a ideia de que um estado soberano seria necessário passa assegurar a preservação da raça humana. William Godwin se distinguiu de Rousseau por dois motivos principais: 1-) o ser humano “aperfeiçoado” poderia se tornar pacífico e cooperativo. 2-) essa natureza boa não estava no passado distante como dizia Rousseau, mas constitui num futuro inevitável onde um estado soberano não seria necessário. 

Peter Kropotkin, anarquista russo, defendia que todas as espécies animais, incluindo a espécie humana, se beneficiavam com o auxílio mútuo. Essa teoria foi apresentada como alternativa à teoria da evolução por competição de Darwin. O anarquista reuniu várias provas do mundo animal de que cooperação e concluiu que as espécies mais fortes eram as mais capazes de desenvolver a cooperação. 

A raça humana por ser dotada de razão, logo chegaria à conclusão de que, a guerra sendo ruim para todos, a cooperação seria a melhor alternativa. 

Hobbes diria sobre isto que, também há muitas provas de competição e exploração e, que, muitas vezes racional. Essas seriam suficientes para prejudicar o espírito cooperativo. 

Contra esta hipótese, os anarquistas dizem que não há pessoas com essas características, se sim, são pessoas corrompidas pelo próprio estado. Enquanto que o estado sempre fora posto como solução para o comportamento antisocial, os anarquistas afirma que o mesmo é que é responsável por tal comportamento. 

Mas se eram bons naturalmente, como que surgiu um estado capaz de corromper? 

A resposta mais sensata seria de que apenas alguns indivíduos ardilosos encontraram um meio de tomar o poder. Nesse ponto, o anarquismo já parece se autodestruir. 

Alguns anarquistas mais ponderados reconhecem a importância de especialistas na sociedade a fim de aconselhar. Reconhecem inclusive a necessidade de uma força militar para tratar de conflitos internacionais. 

Mas com essas estruturas o anarquismo não se tornaria um estado?  

Nesse ponto, o anarquismo já não se distinguiria tanto de um estado, mas em relação a isso, os anarquistas afirmam que essas estruturas não podem ser consideradas como estruturas estatais, pois elas seriam formadas por pessoas voluntárias, permitindo a autoexclusão, de maneira que nenhum estado o é.


Referência bibliográfica


Wolff, Jonathan – Introdução à filosofia política, 2º Edição, 2011, Ed. Gradiva, Lisboa


Imagem: Destruction of Leviathan, disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Destruction_of_Leviathan.png, acessado em: 26/04/2014