Introdução
Até hoje se questiona quem está apto a governar e o
direito de punição sobre a sociedade. Ao longo da história, inúmeros tratados
políticos surgiram com o intuito de auxiliar na compreensão das complexas
relações de poder presentes na sociedade. Mas, será que essas questões foram de
fato respondidas?
O breve artigo que se segue apresenta a ideia
principal de três filósofos que escreveram sobre política cujas obras
influenciam as relações de poder até os dias de hoje e sugere uma reflexão
acerca dessas obras frente ao processo de globalização e avanço tecnológico.
Palavras
chaves: política, filosofia,
governo, globalização, tecnologias virtuais, internet, redes sociais.
O
dilema do governo na era digital
Muitos filósofos da modernidade escreveram tratados de
filosofia política a fim de compreender as complexas relações
político-econômicas, socioculturais e de poder de sua época. Dentre esses
filósofos e, para a finalidade deste artigo, apenas três deles serão citados cujas
obras influenciam demasiadamente as relações políticas até os dias atuais.
Maquiavel, na obra “O Príncipe”, escrita em 1513, cuja
primeira edição veio a ser publicada apenas em 1532, descreve o príncipe como
sendo uma pessoa virtuosa e afortunada que para manter o poder deve valer-se de
qualquer artimanha. A boa ou a má política é medida pela capacidade do
governante em manter o poder. Daí surge a máxima de que os fins justificam os
meios.
Gramsci argumenta com “O Moderno Príncipe”, onde
introduz o partido político que representa o intelectual coletivo e que realiza
projetos para desenvolvimento e transformação da sociedade (IANNI, 2000,
p.142).
Em terceiro, Hobbes, que talvez tenha sido o que
melhor descreveu um estado absolutista. Diante de um contexto de guerra civil, Hobbes
escreve sua obra “O Leviatã” em defesa de um estado soberano capaz de garantir
que os contratos sociais sejam cumpridos e que seus transgressores sejam
adequadamente punidos (WOLFF, 2011, p. 20 – 32).
As teorias desses filósofos contribuem para a compreensão
de quem deve governar e com que direito. Perguntas estas que são fundamentais e
as mais pertinentes no estudo da filosofia política (WOLFF, 2011, p. 11). No
entanto, esses filósofos não se preocupavam ou sequer imaginavam que o avanço
tecnológico e o processo de globalização surgiriam e cresceriam em tão grande
escala, sugerindo assim, um novo olhar no âmbito político e em suas teorias.
Na época da globalização,
alteram-se quantitativa e qualitativamente as formas de sociabilidade e os
jogos das forças sociais, no âmbito de uma configuração histórico-social da
vida, trabalho e cultura na qual as sociedades civis nacionais se revelam
províncias da sociedade civil mundial em formação. Nessa época, as tecnologias
eletrônicas, informáticas e cibernéticas impregnam crescente e
generalizadamente todas as esferas da sociedade nacional e mundial; e de modo
particularmente acentuado as estruturas de poder, as tecnoestruturas, os think-tanks[1],
os lobbies[2],
as organizações multilaterais e as corporações transnacionais, sem esquecer as
corporações da mídia. Esse pode ser o clima em que se forma, impões e sobrepõe
O príncipe eletrônico, sem o qual
seria difícil compreender a teoria e a prática da política na época da
globalização (IANNI, 2000, p. 143).
O príncipe eletrônico surge como uma entidade
ideológica que supera os príncipes de Maquiavel e Gramsci (IANNI, 2000, p. 148)
e se torna uma “faca de dois gumes”[3]
para o governo absolutista de Hobbes. Este permeia em todos os níveis da
sociedade em escala mundial e se fortalece na medida em que os meios de
comunicação e tecnologias virtuais surgem e se aprimoram. O príncipe eletrônico
personifica a indústria cultural que manipula e se manifesta na mídia como um
todo (IANNI, 2000, p. 161).
Diariamente novos programas políticos surgem e se
mesclam com programas de entretenimento, introduzindo assim ideias políticas
aos telespectadores que assumem uma posição de recebimento passiva, pois não
podem discutir com a televisão, rádio ou qualquer outro meio de comunicação
eletrônico. O político se torna um produto e acaba sendo consumido pelas
pessoas perante critérios semelhantes aos vigentes no mundo do consumismo
(IANNI, 2000, p. 153-154).
Os meios de comunicação e as tecnologias virtuais
proporcionaram aos governantes a capacidade de levar ideias para o mundo todo
em questão de segundos e, aumentaram assim o poder de vigilância do governo e
das empresas sobre as pessoas (MORAES, 2013, p. 15 – 23).
Essas tecnologias virtuais também possibilitou a
conexão entre pessoas do mundo inteiro e a troca de informações de maneira
simples e rápida. Ao passo que, a privacidade dos usuários diminuiu
proporcionalmente uma vez que todas as ações e informações na rede passaram a
ficar registradas e passíveis de serem utilizadas por pessoas mal
intencionadas.
O poder de vigilância não está somente nas mãos do
governo, mas também disponível à maioria das pessoas que possui acesso a um
computador conectado a internet. Aqueles que possuem um maior domínio sobre
essas tecnologias digitais e segurança de informação não encontrarão
dificuldades em acessar informações confidenciais do governo e espalhar para o
mundo todo, podendo assim, desencadear uma guerra digital que pode tomar
proporções desastrosas.
As redes sociais como Facebook, Twitter, Youtube, WhatsApp, por exemplo, têm
possibilitado a divulgação de informações de maneira rápida e simples por
qualquer pessoa, assim como a organização de eventos e protestos que podem
ameaçar o poder do governo.
Em suma, da mesma maneira que o avanço tecnológico
criou o príncipe eletrônico, ampliando assim a atuação dos governantes sobre a
sociedade, este colocou a soberania dos mesmos em dúvida, afinal, qual é o
poder de um estado ou qualquer outra forma de governo diante da rede virtual que
está disponível às pessoas do mundo todo?
Esse dilema sugere um novo olhar nas teorias políticas
e talvez seja só o início de um grande processo de revolução no âmbito das
relações de poder sociais e um novo paradigma a ser investigado pelos filósofos
da política.
Referências
Bibliográficas
IANNI, Octavio – O príncipe eletrônico. In:
____Enigmas da Modernidade-Mundo – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2000.
MAQUIAVEL, Nicolau – O príncipe; e, Escritos
políticos; tradução: Lívio Xavier – 1. Ed. – São Paulo: Folha de S. Paulo,
2010.
WOLFF, Jonathan – Introdução à filosofia política, 2.
Ed. – Lisboa: Gradiva, 2011.
MORAES, João Antonio de – Cliques da vigilância.
In: (revista) Ciência&Vida Filosofia: Leviatã Digital, Ano VII, Nº 81 – São
Paulo: Escala, 2013.Imagem: Internet, disponível em: http://www.revista.espiritolivre.org/o-futuro-da-internet-ja-esta-tracado-ou-quase, acesso em: 01/06/2014.
[1] Instituições responsáveis por criar
e difundir estratégias e conhecimentos sobre assuntos específicos. Disponível
em:
http://www.imil.org.br/artigos/o-que-significa-um-think-tank-no-brasil-de-hoje/,
acesso em: 28/05/2014.
[2] Grupos de pessoas ou organizações
que visam influenciar decisões do poder político em favor de seus próprios
interesses. Disponível em: http://www.brasilescola.com/politica/lobby.htm,
acesso em: 28/05/2014.
[3] Expressão popular usada para descrever
situações que podem ser favoráveis, mas que, em algumas circunstâncias também
podem ser prejudiciais. Disponível em: http://www.dicionarioinformal.com.br/faca%20de%20dois%20gumes/,
acesso em: 01/06/2014.