domingo, 1 de junho de 2014

O Dilema do Governo na Era Digital





Introdução

Até hoje se questiona quem está apto a governar e o direito de punição sobre a sociedade. Ao longo da história, inúmeros tratados políticos surgiram com o intuito de auxiliar na compreensão das complexas relações de poder presentes na sociedade. Mas, será que essas questões foram de fato respondidas?
O breve artigo que se segue apresenta a ideia principal de três filósofos que escreveram sobre política cujas obras influenciam as relações de poder até os dias de hoje e sugere uma reflexão acerca dessas obras frente ao processo de globalização e avanço tecnológico.

Palavras chaves: política, filosofia, governo, globalização, tecnologias virtuais, internet, redes sociais.
 
O dilema do governo na era digital

Muitos filósofos da modernidade escreveram tratados de filosofia política a fim de compreender as complexas relações político-econômicas, socioculturais e de poder de sua época. Dentre esses filósofos e, para a finalidade deste artigo, apenas três deles serão citados cujas obras influenciam demasiadamente as relações políticas até os dias atuais.
Maquiavel, na obra “O Príncipe”, escrita em 1513, cuja primeira edição veio a ser publicada apenas em 1532, descreve o príncipe como sendo uma pessoa virtuosa e afortunada que para manter o poder deve valer-se de qualquer artimanha. A boa ou a má política é medida pela capacidade do governante em manter o poder. Daí surge a máxima de que os fins justificam os meios.
Gramsci argumenta com “O Moderno Príncipe”, onde introduz o partido político que representa o intelectual coletivo e que realiza projetos para desenvolvimento e transformação da sociedade (IANNI, 2000, p.142).
Em terceiro, Hobbes, que talvez tenha sido o que melhor descreveu um estado absolutista. Diante de um contexto de guerra civil, Hobbes escreve sua obra “O Leviatã” em defesa de um estado soberano capaz de garantir que os contratos sociais sejam cumpridos e que seus transgressores sejam adequadamente punidos (WOLFF, 2011, p. 20 – 32).
As teorias desses filósofos contribuem para a compreensão de quem deve governar e com que direito. Perguntas estas que são fundamentais e as mais pertinentes no estudo da filosofia política (WOLFF, 2011, p. 11). No entanto, esses filósofos não se preocupavam ou sequer imaginavam que o avanço tecnológico e o processo de globalização surgiriam e cresceriam em tão grande escala, sugerindo assim, um novo olhar no âmbito político e em suas teorias.

Na época da globalização, alteram-se quantitativa e qualitativamente as formas de sociabilidade e os jogos das forças sociais, no âmbito de uma configuração histórico-social da vida, trabalho e cultura na qual as sociedades civis nacionais se revelam províncias da sociedade civil mundial em formação. Nessa época, as tecnologias eletrônicas, informáticas e cibernéticas impregnam crescente e generalizadamente todas as esferas da sociedade nacional e mundial; e de modo particularmente acentuado as estruturas de poder, as tecnoestruturas, os think-tanks[1], os lobbies[2], as organizações multilaterais e as corporações transnacionais, sem esquecer as corporações da mídia. Esse pode ser o clima em que se forma, impões e sobrepõe O príncipe eletrônico, sem o qual seria difícil compreender a teoria e a prática da política na época da globalização (IANNI, 2000, p. 143).

O príncipe eletrônico surge como uma entidade ideológica que supera os príncipes de Maquiavel e Gramsci (IANNI, 2000, p. 148) e se torna uma “faca de dois gumes”[3] para o governo absolutista de Hobbes. Este permeia em todos os níveis da sociedade em escala mundial e se fortalece na medida em que os meios de comunicação e tecnologias virtuais surgem e se aprimoram. O príncipe eletrônico personifica a indústria cultural que manipula e se manifesta na mídia como um todo (IANNI, 2000, p. 161).
Diariamente novos programas políticos surgem e se mesclam com programas de entretenimento, introduzindo assim ideias políticas aos telespectadores que assumem uma posição de recebimento passiva, pois não podem discutir com a televisão, rádio ou qualquer outro meio de comunicação eletrônico. O político se torna um produto e acaba sendo consumido pelas pessoas perante critérios semelhantes aos vigentes no mundo do consumismo (IANNI, 2000, p. 153-154).
Os meios de comunicação e as tecnologias virtuais proporcionaram aos governantes a capacidade de levar ideias para o mundo todo em questão de segundos e, aumentaram assim o poder de vigilância do governo e das empresas sobre as pessoas (MORAES, 2013, p. 15 – 23).
Essas tecnologias virtuais também possibilitou a conexão entre pessoas do mundo inteiro e a troca de informações de maneira simples e rápida. Ao passo que, a privacidade dos usuários diminuiu proporcionalmente uma vez que todas as ações e informações na rede passaram a ficar registradas e passíveis de serem utilizadas por pessoas mal intencionadas.
O poder de vigilância não está somente nas mãos do governo, mas também disponível à maioria das pessoas que possui acesso a um computador conectado a internet. Aqueles que possuem um maior domínio sobre essas tecnologias digitais e segurança de informação não encontrarão dificuldades em acessar informações confidenciais do governo e espalhar para o mundo todo, podendo assim, desencadear uma guerra digital que pode tomar proporções desastrosas.
As redes sociais como Facebook, Twitter, Youtube, WhatsApp, por exemplo, têm possibilitado a divulgação de informações de maneira rápida e simples por qualquer pessoa, assim como a organização de eventos e protestos que podem ameaçar o poder do governo.
Em suma, da mesma maneira que o avanço tecnológico criou o príncipe eletrônico, ampliando assim a atuação dos governantes sobre a sociedade, este colocou a soberania dos mesmos em dúvida, afinal, qual é o poder de um estado ou qualquer outra forma de governo diante da rede virtual que está disponível às pessoas do mundo todo?
Esse dilema sugere um novo olhar nas teorias políticas e talvez seja só o início de um grande processo de revolução no âmbito das relações de poder sociais e um novo paradigma a ser investigado pelos filósofos da política.

Referências Bibliográficas

IANNI, Octavio – O príncipe eletrônico. In: ____Enigmas da Modernidade-Mundo – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
MAQUIAVEL, Nicolau – O príncipe; e, Escritos políticos; tradução: Lívio Xavier – 1. Ed. – São Paulo: Folha de S. Paulo, 2010.
WOLFF, Jonathan – Introdução à filosofia política, 2. Ed. – Lisboa: Gradiva, 2011.
MORAES, João Antonio de – Cliques da vigilância. In: (revista) Ciência&Vida Filosofia: Leviatã Digital, Ano VII, Nº 81 – São Paulo: Escala, 2013.

Imagem: Internet, disponível em: http://www.revista.espiritolivre.org/o-futuro-da-internet-ja-esta-tracado-ou-quase, acesso em: 01/06/2014. 


[1] Instituições responsáveis por criar e difundir estratégias e conhecimentos sobre assuntos específicos. Disponível em: http://www.imil.org.br/artigos/o-que-significa-um-think-tank-no-brasil-de-hoje/, acesso em: 28/05/2014.
[2] Grupos de pessoas ou organizações que visam influenciar decisões do poder político em favor de seus próprios interesses. Disponível em: http://www.brasilescola.com/politica/lobby.htm, acesso em: 28/05/2014.
[3] Expressão popular usada para descrever situações que podem ser favoráveis, mas que, em algumas circunstâncias também podem ser prejudiciais. Disponível em: http://www.dicionarioinformal.com.br/faca%20de%20dois%20gumes/, acesso em: 01/06/2014.