domingo, 19 de fevereiro de 2012

O mito de Narciso e Eco

Deixo aqui meus agradecimentos aos alunos Alison Camargo e Carolina Zorzetto que cederam e me permitiram publicar esse excelente trabalho de pesquisa apresentado para a disciplina de Iniciação a Prática Filosófica, ministrada no 1º Semestre do curso de Filosofia sob a orientação do Prof. Dr. Marcio Mariguela.


Narciso (1594-1596), por Caravaggio


INTRODUÇÃO

Este texto traz o mito de Narciso e Eco. Fala também da visão de Freud sobre esse mito, o que seria sua introdução ao Narcisismo, fazendo explicações sobre o que seria essa doença, como reconhecer e como funciona.

Fala-se ainda, de uma visão mais atual sobre o comportamento das pessoas e da sociedade em referência ao Narcisismo.



O MITO DE NARCISO E ECO

Num certo dia enquanto uma ninfa caminhava à beira de um rio, que era um Deus, ele veio pra cima dela e a envolveu em seus braços para saciar seu desejo sexual.
  
Quando o fruto desta união nasceu, era uma criança muito linda e a ela foi dado o nome de Narciso. Essa criança cresceu e como era muito linda, chamava a atenção de muitos mortais, Deuses e ninfas, todos admiravam sua beleza e muitos se apaixonaram por ele.

Temendo algo de ruim para seu filho, a mãe de Narciso procurou o velho cego Tirésias, o sábio, para lhe perguntar se seu filho viveria muitos anos. A resposta de Tirésias foi que se ele nunca se visse ele viveria. Sem saber muito o que fazer, a mãe de Narciso ficava cada vez mais preocupada com o filho.

O pequeno Narciso logo cresceu e muitas garotas eram apaixonadas por ele, mas ele não queria saber de nenhuma, não queria ninguém. Uma das garotas que eram apaixonadas por Narciso era uma ninfa chamada Eco.

Eco era uma ninfa que falava muito, e por esse motivo, sempre era usada por Zeus, para que pudesse distrair sua mulher era enquanto ele fugia para encontrar suas amantes ninfas e mortais. Eco ficava falando pelos cotovelos distraindo Era enquanto Zeus fugia, por esse motivo Era castigou Eco com uma maldição, ela nunca mais poderia falar novamente, apenas repetir as ultimas palavras que escutasse.

Eco era tão apaixonada por Narciso que sempre o seguia quando ele estava caminhando pelas florestas. Um dia no verão, Narciso e alguns amigos estavam caçando, quando Narciso se perdeu em meio à floresta. Com medo e perdido, ele começou a chamar e gritar sem se dar conta que Eco estava espreitando-o.


“Olá! Ninguém me escuta?
Escuta, lhe responde a amante Ninfa.
Ele pasma: em redor estira os olhos;
E, não vendo ninguém: Vem cá, lhe grita;
Convite igual ao seu parte dela.
Volta-se, nada vê: Por que me foges?
Clama; Por que me foges, lhe respondem.
Da mútua voz deluso, insiste ainda:
Juntemo-nos aqui. Frase mais doce,
Nem lha espera, nem quer; delira, e logo,
Juntemo-nos aqui, vozeia em ânsias
De o pôr por obra; da espessura rompe,
Vem de braços abertos, anelando,
Tão suspirado objeto, ao fim colhê-lo.
Ele foge; fugindo, ilude o abraço,
E Antes, diz, morrerei, que amor nos una.
Ela, imóvel, co'a vista o vai seguindo,
E, ao que ouviu, só responde: Amor nos una".[1]


[1]APUD: BRANDÃO, 1990, p. 177-178.

Tão triste que Eco tinha ficado depois de ser rejeitada por Narciso, perde o gosto pela vida e se retira isolando-se, parou de comer a não ter mais forças e morrer. Em sua morte ela se transforma em um rochedo que só era capaz de repetir os sons que pudesse ouvir.

Revoltadas com a frieza e a rejeição de Eco, suas amigas ninfas queriam vingança e foram até Nêmeses pedir que ele se vingasse de Narciso. Nêmese vingou-se lhe jogando uma maldição, a de amar um amor impossível. 
 
Era verão novamente e Narciso caminhava pelas florestas, já havia caminhado bastante e estava com sede quando se aproximou de uma fonte e agachou-se para tomar um pouco de água.
 
“Deitou-se e tentando matar a sede,
Outra mais forte achou. Enquanto bebia,
Viu-se na água e ficou embevecido com a própria imagem.
Julga corpo, o que é sombra, e a sombra adora.
Extasiado diante de si mesmo, sem mover-se do lugar,
O rosto fixo, Narciso parece uma estátua de mármore de Paros.
Deitado, contempla dois astros: seus olhos e seus cabelos,
Dignos de Baco, dignos também de Apolo;
Suas faces ainda imberbes, seu pescoço de marfim,
A boca encantadora, o leve rubor que lhe colore a nívea pele.
Admira tudo quanto admiram nele.
Em sua ingenuidade deseja a si mesmo.
A si próprio exalta e louva. Inspira ele mesmo os ardores sente. É uma chama que a si própria alimenta.
Quantos beijos lançados às ondas enganadoras!
Para sustentar o pescoço ali refletido, quantas vezes
Mergulhou inutilmente suas mãos nas águas.
O mesmo erro que lhe engana os olhos, acende-lhe a paixão.
Crédulo menino, por que buscas, em vão, uma imagem fugitiva?
O que procuras não existe. Não olhes e desaparecerá o objeto de teu amor. A sombra que vês é um reflexo de tua imagem.
Nada é em si mesma: contigo veio e contigo permanece.
Tua partida a dissiparia se pudesse partir…
Inútil: sustento, sono, tudo esqueceu.
Estirado na relva opaca, não se cansa de olhar seu falso enlevo,
E por seus próprios olhos morre de amor. ”[1]


[1] APUD: BRANDÃO, 1990, p. 180-181. 

Quando foram procurar pelo corpo Narciso, encontraram apenas uma delicada flor amarela com pétalas brancas no centro e chegaram à conclusão que aquela tão bela flor era nada menos que Narciso.


NARCISISMO

Segundo Freud, o termo narcisismo deriva da descrição clínica e foi escolhido por Paul Näcke em 1899, esse termo foi escolhido para explicar a atitude que uma pessoa tem em tratar seu próprio carpo como se fosse um objeto sexual, podendo afagar e acariciá-lo até ter prazer através disso, chegando a ser uma perversão.

Narcisismo: esse termo surgiu pela primeira vez em 1610, depois disso Freud utilizou-se desse termo para tentar explicar as escolhas de objetos sexuais dos homossexuais. Essa descoberta leva Freud a propor “a existência uma de uma fase da evolução sexual intermédia entre o auto-erotismo e o amor de objeto” [1]

É possível que o ego seja um grande reservatório de libido, que libere essa libido para os objetos e que receba de volta a libido emanada pelos objetos. O ego serve como uma espécie de dosador.

O caso é que no narcisismo, o ego se enche de libido e o individuo com esse ego cheio, acaba fazendo uma imagem de si mesmo, vangloriando e idolatrando essa imagem.
Para Freud, existem dois níveis de narcisismo, o narcisismo primário e o narcisismo secundário.

“O narcisismo primário designa um estado precoce em que a criança investe toda a sua libido em si mesma. O narcisismo secundário designa um retorno ao ego, da libido retirada d seus investimentos objetais.” [2]

O narcisismo secundário seria quando uma pessoa regride extremamente a um objeto de infância seria um “estado narcisista esquizofrênico” [3]

Narcisismo pode-se dizer que é o amor que se tem da imagem de si mesmo.

Para os homossexuais isso fica evidente porque eles se apaixonam por pessoas do mesmo sexo. Um homem pode ver a si mesmo no outro homem, ou que ele foi, ou ainda, quem ele gostaria de ser, o mesmo serve para as mulheres homossexuais.


[1] LAPLANCHE, J. 1970
[2] APUD LAPLANCHE, J. 1970
[3] LAPLANCHE, J. 1970
 
 
 
As pessoas podem fazer uma imagem de si mesma e ficar idolatrando isso, por exemplo: uma pessoa pode achar que tem os mais belos olhos e ficar olhando sempre parar o espelho para reafirmar para si mesma que tem olhos bonitos.

Para as mulheres, mesmo que não passam auto-imagem, passam por isso quando são mães, elas tendem a proteger seus filhos como se fossem elas mesmas, afinal é parte de seus corpos que ela esta gerando, ou seja, elas dão à luz a elas mesmas.
 
“No caso da mulher narcisista, alguns caminhos que levam à escolha de um objeto, ou seja, o que uma pessoa pode amar:
(1) Em conformidade com o tipo narcisista:

(a) o que ela própria é (isto é, ela mesma),
(b) o que ela própria foi,
(c) o que ela própria gostaria de ser,
(d) alguém que foi uma vez parte dela mesma.

(2) Em conformidade com o tipo anaclítico (de ligação):
(a) a mulher que a alimenta,
(b) o homem que a protege. ”[1]

Existem ainda outras mulheres que não têm de esperar por um filho a fim de darem um passo no desenvolvimento do narcisismo (secundário) para o amor objetal. Antes da puberdade, sentem-se masculinas e se desenvolvem de alguma forma ao longo de linhas masculinas; depois de essa tendência ter sido interrompida de repente ao alcançarem a maturidade feminina, ainda retêm a capacidade de anseio por um ideal masculino - ideal que é de fato uma sobrevivência da natureza de menino que outrora possuíram.” [2]


[1] FREUD, S. 1974
[2] FREUD, S. 1974
 
Os narcisistas tentem a cuidar muito mais de seus objetos, com isso, acabam esquecendo-se de si mesmas, o que os leva a uma carência muito grande, o que só poderá ser resolvido se os objetos que eles amam também os amem a eles e retribua esse sentimento, suprindo a carência deles. Se isso não acontece, esses narcisistas acabam “sofrendo por amor”.

Quando o narcisismo é em crianças, pode se dizer que é por causa da afetuosidade de seus para com elas. Elas acabem revivendo as imagens que os pais passam para elas, assim como o pai gostaria de ter sido. A vontade dos pais é que sempre seus filhos realizem tudo aquilo que eles mesmos não conseguiram realizar, como se divertir mais, estudar mais, ter um bom casamento, ser bem sucedidos na vida, etc. 
 
“A criança concretizará os sonhos dourados que os pais jamais realizaram - o menino se tornará um grande homem e um herói em lugar do pai, e a menina se casará com um príncipe como compensação para sua mãe. No ponto mais sensível do sistema narcisista, a imortalidade do ego, tão oprimida pela realidade, a segurança é alcançada por meio do refúgio na criança. O amor dos pais, tão comovedor e no fundo tão infantil, nada mais é senão o narcisismo dos pais renascido, o qual, transformado em amor objetal, inequivocamente revela sua natureza anterior.” [1]

Quando uma pessoa fica apaixonada, ela libera a libido do ego para o objeto dela. Isso faz com que o objeto sexual se torne um ideal sexual, nesse caso, qualquer satisfação dessa condição, pode-se dizer que é idealizada.

“O ideal sexual pode fazer parte de uma interessante relação auxiliar com o ideal do ego. Ele pode ser empregado para satisfação substitutiva onde a satisfação narcisista encontra reais entraves. Nesse caso, uma pessoa amará segundo o tipo narcisista de escolha objetal, amará o que foi outrora e não é mais, ou então o que possui as excelências que ela jamais teve.” [2]


No caso de pacientes crônicos, narcisistas esquizofrênicos, eles não conseguem var uma cura no tratamento, eles trazem expectativas para com o médico que cuida deles para o consultório. “A incapacidade de amar do paciente, resultante de suas repressões extensivas, naturalmente atrapalha um plano terapêutico dessa natureza” [3]

“Muitas vezes, se esses pacientes se deparam com um resultado não pretendido por meio do tratamento, o paciente é parcialmente liberado de suas repressões, ele suspende o tratamento a fim de escolher um objeto amoroso, deixando que sua cura continue a se processar por uma vida em comum com quem ele ama. Poderíamos ficar satisfeitos com esse resultado, se ele não trouxesse consigo todos os perigos de uma dependência mutiladora em relação àquele que o ajuda.” [4]


[1] FREUD, S. 1974
[2] FREUD, S. 1974
[3] FREUD, S. 1974
[4] FREUD, S. 1974
 
 
CONCLUSÃO

Cabe também citar casos muito conhecidos hoje, como por exemplo, o dos metrossexuais, que seriam aqueles homens que cuidam de sua beleza como as mulheres estão acostumadas a fazer, depilam o corpo, as sobrancelhas, tiram cutículas, etc. com a justificativa de que estão cuidando de seus corpos, que é uma questão de saúde e não de homossexualismo.

Podemos também citar as mulheres que gastam fortunas com plásticas e silicones, para deixar os seus corpos mais atraentes. Não podemos deixar de notar que esse tipo de comportamento e, até mesmo, ideologia social em que estamos vivendo nos dias atuais, é muito parecida com o conceito de narcisismo, pois cada vez mais o corpo e a beleza ficam em evidencia no mundo, fazendo com que as pessoas queiram mais e mais cuidar de seus corpos para que não saiam de um certo “padrão”. 
  
Há também os estupradores, maníacos, que não passariam de neuróticos em busca de uma libido objetal, entre outros muitos casos. O importante mesmo é saber que uma boa parte da saciedade passa por esse problema e, saber também que, esses indivíduos podem ser tratados.

Através do mito de Narciso e Eco, pode-se fazer uma análise do comportamento das pessoas e da própria sociedade. Entender como funciona, como é gerado e até mesmo como dividir o narcisismo.

Analisando bem, nos dias de hoje, muitas pessoas passam por esse problema, muitas um sintoma leve, outras, mais aprofundado, mas questão é que dificilmente a sociedade vai estar livre do narcisismo, pois, muitos dos sintomas e fatores deste problema, estão sendo vistos como normais, a mídia faz com que as pessoas queiram cada vez mais se sintam atraídas por seus próprios corpos, pois elas precisam estar dentro de um “padrão de beleza” para poderem ser aceitas pelos grupos sociais. 
 
 
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

BRANDÃO, J. Narciso. In. BRANDÃO, J. Mitologia Grega: vol. II. Rio de Janeiro: Vozes. 1987. VI, p. 173-190.

BULFINCH, THOMAS. Eco e Narciso. In. BULFINCH, THOMAS. Mitologia Geral: A idade da fábula. Belo Horizonte: Itatiaia, 1962. XIII, p. 96-99.

FREUD, S. Introdução ao Narcisismo. In. FREUD, S. Coleção Standard Brasileira das Obras Completas. vol. XVI. Rio de Janeiro: Imago, 1974.

LAPLANCHE, J. Vocabulário de Psicanálise. Livraria Martins Fontes. São Paulo. 1970. p. 365-368. 

5 comentários:

Alison disse...

Essa pesquisa que eu fiz com a Carolina, posso dizer que pra mim deu um pouco de trabalho, pois não tinha tido anda nenhum contato com a psicanálise, mas, posso dizer que depois desse trabalho, pude mudar minha forma de enxergar o homem. Fico feliz com a homenagem que vc fez Felipe, postando nosso trabalho aqui. Saiba que sou grato por vc fazer parte do nosso grupo de estudos em Filosofia... Abraços

Anônimo disse...

artigo joia pra refletir! bom ter voltado, depois de uns meses sem postar...

Anônimo disse...

"desculpem as feias, mas beleza eh fundamental" - ja ouviu essa frase, simplesmente narcisa

Anônimo disse...

Trabalho muito bom. Estão de parabéns Alison e Carolina. O trabalho de vocês me ajudou muito a refletir sobre o mito de Narciso e Eco.

Alison disse...

Agradeço os elogios... Fico feliz em ter ajudado... Infelizmente poucas pessoas procuram fazer este tipo de exercício,é muito mais fácil aceitar tudo com é dado... Refletir ainda é o melhor exercício para quem quer ir além do que é... Parabéns a você que o pratica e o assume... Obrigado...